sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O realizador que gosta de falar e de cinema mudo

Sangue Frio, de Patrick Mendes
(vencedor da Melhor Curta Portuguesa no motelX)



No princípio foi a degradação do décor. Aquela terra inóspita e ventosa. A casa decrépita com um silo coberto de ferrugem. Depois surgiu-lhe o filme que tem tanto de anémico na história quanto na paisagem. Patrick Mendes pegou na sua equipa do costume (com quem já realizou duas curtas): um director de fotografia daltónico, uma actriz que tem uma irmã gémea bailarina, um amigo inventor de máquinas estrambólicas e rodou em super 8, Sangue Frio, que, de entre 14 candidatos, conquistou o prémio da Melhor Curta de Terror Portuguesa, no recente festival Motel X. E criou esta mulher, personagem vampírica invertida, porque em vez de tirar sangue, ela dá… sangue. Até à última gota. E aqui entra em cena Aníbal Santos, o tal amigo inventor, artista plástico, que congeminou com o autor está máquina diabólica de transfusão, com um aspecto muito arcaico e nada asséptico. Filmar com sangue real (quatro litros e meio adquiridos no talho) foi, já de si, um filme de terror. «O sangue artificial é caríssimo, um litro a 80 euros, e além disso a cor não me convenceu». O problema é que o sangue coagula e atrai todos os milhares de moscas das redondezas. Dos 14 minutos de filme, seis são dedicados à transfusão, há como que «uma suspensão do tempo, que cria um desconforto, ainda por cima a máquina sugere algo super sexual, quase maturbatório». Além disso Patrick fez questão de confirmar com a irmã enfermeira, de que aquela era a velocidade correcta com que o sangue brota nos tubos, depois da picada. Quando anunciaram o prémio, foi outro filme de terror. Não o tinham avisado antecipadamente, não estava nada à espera, «de repente vi-me no palco, a ser olhado por um monstro de mil olhos [a plateia]». Mas ficou contente por o levarem a sério. Tirou o curso superior de cinema, trabalhou com João Canijo e Pedro Costa, vai raramente ao cinema, porque raramente tem dinheiro - e também porque o cinema que se faz agora pouco o interessa. Acha o cinema clássico enfadonho, na verdade ps seus gostos ficaram retidos na fase do cinema mudo – o seu português preferido é O Táxi nº9297, uma média metragem dos anos 20, de Reinaldo Ferreira, o célebre Repórter X. Não lê, o seu cinema não tem carga social nenhuma, faz tudo por intuição, não quer compromissos com o público, desfia imensas referências de cinema underground com que se identifica. Mas no fundo, refere, a grande responsável pelo cineasta em que se tornou é a mãe, que até nem gosta nada de filmes de terror.

Sem comentários: