segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A vida entre murros

Encontro imediático com Bruno de Almeida a propósito do filme Bobby Cassady, the Counterpuncher





O autor daquele que é porventura o documentário português mais visto em todo o mundo, The Art of Amália, está de regresso ao género, com um filme… americano. Em Bobby Cassady, the Counterpuncher, Bruno de Almeida, mostrar-nos a mais fascinante das personagens: um pugilista aposentado que já fez de tudo na vida, incluindo jogar boxe. Uma história humana, sensível e do mais rico microcosmos, que chega aos cinemas em Portugal, no dia 18, depois de ter passado pelo DocLisboa.

Como chegou a Bobby Cassady?

Bruno de Almeida: Em 2001, comecei a preparar um documentário, com o título provisório After theFight, sobre boxeurs reformados nos Estados Unidos. A maneira como têm que lidar com o punk drunk brunk que é uma doença em que começam a perder a memória, por levarem muitas pancadas no cérebro. E também pela questão de serem os únicos desportistas sem apoio nenhum. Descobrimos que nos Estados Unidos existe, em cada cidade, uma associação chamada Ring, onde eles se encontram e se entreajudam, com uma camaradagem incrível.

Isso ainda é mais incrível se pensarmos que eles andam a dar murros na cara uns dos outros anos a fio…

É verdade, existe até uma certa rivalidade entre bairros. Foi assim que conheci o filho, o Booby Cassady Jr, que me contou histórias do pai. Apercebi-me então que era a essência do que eu estava à procura. Surgiram depois uma série de coincidências, como o facto de o Bobby estar a treinar o Robert De Niro que é meu amigo.

Este interesse pelo boxe já vem de trás. Em Love Birds apareciam cenas de pugilismo com o Fernando Lopes como treinador (numa homenagem a Belarmino)…

Sim, claro.. Mas eu não sabia muito sobre boxe, nem logo ao desporto em geral. O que mais me interessou no boxe foram as personagens. Interessam-me coisas com as regras fechadas, os seus próprios códigos de vida. E o boxe é um bocado isso, tal como acontece no fado. Sempre me gostei de filmes sobre boxe, embora não seja fã do desporto propriamente dito.

Não teve a oportunidade filmar os acontecimentos da vida de Bobby Cassady porque não estava lá, foi por isso teve de se socorrer a um esquema formal bastante simples e minimal?

Passei um ano e tal com ele e filmei-o muito. Mas depois achei que a complexidade do tema ficava a ganhar com uma simplicidade formal do filme. Por isso decidi construi-lo à volta da primeira entrevista que fiz, porque me pareceu mais espontânea, e tinha todos os elementos de que precisava. A primeira versão do filme era muito crua, algo tão cru como um combate de boxe. Era só a entrevista, sem nenhuma sequência de boxe. Foi uma tentativa arriscada de fazer um filme inteiro praticamente só com um close-up. Mostrei-o ao Fernando Lopes que sugeriu que eu usasse sequências de boxe e sons. Fui então à procura de filmes para ilustrar. E encontrei coisas maravilhosas, porque na altura, nos anos 60 e 70, tudo era filmado em película. O filme tomou assim outra dimensão. O Miguel Martins fez um trabalho extraordinário na busca de sons.

No meio disto, teve a felicidade de ter um contador de histórias nato…

Fabuloso. É tão incrível que quase bastava ouvi-lo. Mas as imagens ajudam, porque dá para ver como ele era um lutador extraordinário. Ele quase nunca leva um soco. Em 80 combates teve apenas 16 derrotas, o que é notável. Isto apesar de nunca ter conseguido chegar a campeão.

Essa é a pedra no sapato…

Mas é isso que dá a contradição da sua própria vida. Se ele tivesse sido campeão a história seria outra. Ele é o que os americanos chamam de journey man, vai semana a semana aqui e ali para ganhar a vida.

E é verdade que ele treinou o Robert De Niro? Porque não aborda no filme?

Achei que não tinha grande interesse e que não era muito oportuno explorar a sua amizade. Ele treinou o De Niro muito depois do Touro Enraivecido.

Pensa voltar ao boxe?

Sim, estou à espera de uma ideia de montagem para terminar aquele filme sobre os boxistas reformados, porque são histórias fascinantes, não só de homens mas também de mulheres. E tenho um projecto de ficção à volta da história do Bobby Cassady.

Sei que agora tem um projecto maior, em que vai contar a história do General Humberto Delgado…

É sobre a Operação Outono, que é o nome de código da operação que levou ao assassinato de Humberto Delgado. É um filme histórico, passado em cinco países que vai desde 1965 a 1981. Estamos agora a iniciar a preparação, para filmar em Dezembro. É um filme muito complexo, maior do que qualquer outro que tenha feito. Tem de ser tudo muito bem analisado, porque são factos reais. É algo completamente diferente, embora haja semelhanças entre o Humberto Delgado e o Bobby Cassady.

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