sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Encontro imediático com Jorge Pelicano

Entrevista a Jorge Pelicano, vencedor da Competição Nacional do DocLisboa com Páre, Escute e Olhe


«Há muitas coisas nas entrelinhas dos comboios»

Ao longo de dois anos e meio, o realizador Jorge Pelicano, 32 anos, investigou, pesquisou, filmou (150 horas de filmagens para uma hora e meia de filme) o despovoamento no interior do país, a propósito do processo de «afogamento» da linha do Tua, em Trás-os-Montes, que culminou na decisão da construção da barragem do Sabor. Pare, Escute e Olhe (o filme que arrecadou três prémios no DocLisboa e outros três no Festival de Cinema de Ambiente de Seia), é um retrato, com humor e um estilo muito cinematográfico, de um país abandonado, desertificado, cada vez mais «aprofundado» por políticas desastradas de (des)ordenamento do território. A mostrar com que linhas (e entre-linhas) se cosem estes caminhos de ferro…

Pare, Escute e Olhe é um filme-denúncia que expõe como os nossos políticos não interiorizaram os princípios do desenvolvimento sustentável, e da boa gestão de recursos… Sentiu-se uma espécie de Michael Moore a enfrentar políticos poderosos, como Sócrates, e multinacionais, como a EDP?

Não me identifico com o Michael Moore que se centra sempre muito nele próprio. O que de facto não é muito comum no documentário português é a inclusão de políticos e discursos de políticos. Este é um documentário militante, que abraça uma causa , e tenta dar uma outra visão daquele tema, e voz aos que normalmente não a têm. Os governantes prometeram às pessoas que acabando com o caminho de ferro, viria uma auto-estrada, e o progresso. E o que aconteceu foi o contrário: emigração, despovoamento e abandono. Por outro lado, há uma contradição: defende-se a construção de uma barragem para gerar energia mas depois sugere-se às pessoas que a melhor forma de transporte não é o comboio mas a estrada, onde se usam energias fósseis…

Aliás, o filme começa com uma imagem de uma antiga estação comida pelas silvas, onde se albergam velhos, burros e cães…É a uma metáfora visual de como o poder político votou aquelas gentes transmontanas ao isolamento. Mas as estações mesmo em ruínas morrem de pé…

Porque é que enquadrou dos ombros para cima o primeiro ministro e o ex-ministro da economia, enquanto discursavam no Vale do Sabor?
Porque o que me interessava era o que estava por detrás das palavras. Nas entre-linhas. Quis mostrar um pouco mais do que aquilo que aparece na TV. Assim temos as duas versões: aquilo que os governantes dizem e o outro lado: o vale que eles querem cimentar…

Aliás, apanha uma conversa lateral de Sócrates em que ele diz «o que isto precisa aqui é de muito cimento»…Pois… Temos de pensar se queremos um país todo igual, com albufeiras e barragens por todo lado. Ou se é preferível ficarmos com algo único, que faz parte da nossa identidade histórica. Eu penso que a diferença é que é importante

E intercala discursos com imagens de um coveiro…Porque a morte do comboio é uma morte política. E a cova que se vai abrindo é a morte que se vai anunciando no interior e em Trás-os-Montes. A nossa sociedade está a abrir a sua própria sepultura. Acho revoltante o pretexto do despovoamento para criar ainda mais despovoamento.

Mesmo assim, o seu documentário acaba com uma dupla mensagem: ou as pessoas emigram ou as próximas gerações «soltam» os seus rios…Os documentários devem apontar problemas mas ainda assim deixar alguma esperança. Eu ia à procura de revolta e apenas encontrei resignação. No início fiquei desapontado, mas depois percebi que essa é que era a história: não haver luta, nem forças para reagir. Não usei voz off, nem entrevistas, apenas me limitei a filmar as pessoas no seu quotidiano. Aprendi a saber esperar pelo momento, sem ter ideias pré-definidas. Como também faço televisão (é repórter de imagem na SIC) tive de me distanciar, para dar outro lado, outro plano, outra perspectiva, outra voz… E dar às pessoas o que não estão habituadas a ver. No fundo, quis partir de um caso particular, que é o do comboio do Tua e a barragem do Sabor para mostrar o problema do isolamento, que é universal.

A certa altura uma senhora diz «isso da barragem já não é para o meu tempo, já sou muito velhinha…» Dá ideia de que os políticos também raciocinam assim…
Sim, muitas pessoas pensam que até podem lucrar com as indemnizações dos seus terrenos inundados pela barragem. Mas isso não gera trabalho, ainda vai criar mais migração para o litoral e para o estrangeiro… O olhar do filme é para daqui a 20 ou 30 anos…Essa é no fundo a grande visão do filme. Reflectir, olhar para o futuro de outra maneira e questionar aquilo que se faz em nome do progresso…



Uma das pessoas no seu documentário fala de «vandalismo político» e da barbáries que são cometidas pelas multinacionais. Afinal, o que é o progresso?
Tem de haver limites, nem tudo pode ser justificado em nome do progresso. O caminho faz-se sempre em nome de um benefício global (a barragem) em detrimento da pequena comunidade As pessoas não são números. Quando se diz que a linha do Tua é utilizada por 60 pessoas, isso não é um número: são 60 pessoas, que precisam do comboio para irem ao médico, fazer fisioterapia, comprar coisas ou simplesmente passear… Há muitas coisas nas entrelinhas do comboio.O filme não pretende ser uma crítica politica, mas algo que apele à reflexão. E o título remete para aí: pare, escute e olhe

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