domingo, 13 de setembro de 2009

O cinema vinga-se da História


Sacanas sem Lei, de Quentin Tarantino








Sacanas sem Lei é o mais tarantiniano filme de Quentin Tarantino, e nenhum mal vem ao mundo por causa disso. Significa apenas que desiludiu quem esperava aqui encontrar um novo paradigma para o seu cinema, como aconteceu no final dos anos 80, com Cães Danados (1992) e Pulp Fiction (1994) – este último uma das obras mais marcantes das últimas décadas. Aqui há uma reciclagem de alguns elementos, em alguns casos de forma gratuita, como as setinhas à BD que indicam os nomes das personagens.
Simultaneamente, também é o filme com a maior capacidade de atrair e convencer cépticos do universo Tarantino. Pela dimensão do tema, argumento e realização. Assim, de certa forma, é o maior e mais ambicioso Tarantino de sempre. Porque, se em outros filmes fez de histórias pequenas algo maior, aqui fez de uma coisa grande (a II Guerra Mundial) algo à… Tarantino.
Curiosamente, o realizador, apesar de se ter mostrado desapontado por não ganhar nada em Cannes com Sacanas Sem Lei, declarou que continua a considerar a saga Kill Bill (2003-2004) do melhor que já fez. E se por aqui se fala tanto de Pulp Fiction é por essa sugestão de novo paradigma do seu cinema: foi o realizador que disse que queria fazer um grande filme ainda nesta década. Só que os quatro filmes que ficam pelo caminho, apesar de pequenos, são demasiado bons para serem olhados com desdém. Jackie Brown (1997), convencional e inteligente; Kill Bill, um hilariante exercício de género; e À Prova de Morte (2007), uma das maiores descargas de adrenalina da história recente do cinema, construído a partir de uma estética de série B. A arte de Tarantino é exactamente essa, fazer do pequeno, do banal, do menor, algo de sublime. E se o americano não sabe fazer filmes maus, mesmo quando se esforça e reúne todas as condições para isso, não seria agora, num filme de época, que iria estragar tudo. Sacanas sem Lei não é, seguramente, «a sua obra-prima», mas não deixa de ser um grande filme.
Ao contrário de todos os outros, Sacanas Sem Lei parte de um tema maior: a II Grande Guerra. Já não são histórias de gangsters, mestres de artes marciais ou carros vingadores. Trata-se de História, com personagens históricas à séria, como Hitler, Goebbels e até Churchill. Aliás, é o seu primeiro filme de época e é daí que parte toda essa expectativa. É por isso que de Sacanas sem Lei se espera mais do que de À Prova de Morte.
Tarantino é um Deus das pequenas coisas, dos fait-divers, da extrema ironia entre texto e subtexto. Tal como no famoso diálogo do hambúrguer, em Pulp Fiction, aqui coloca figuras históricas em conversas e situações, tão banais, como um infantil jogo de cartas. No filme, falado em quatro idiomas (inglês, francês, alemão e italiano), cria situações brilhantes, que fazem brilhar até Brad Pitt (e, acima de tudo, Christoph Waltz).
Tal como em À Prova de Morte, Sacanas Sem Lei é um filme sobre a vingança, estruturada de forma mais abrangente e menos geométrica (aqueloutro divide-se rigorosamente entre crime e vingança). Aquele que é, provavelmente, o mais cinéfilo realizador da sua geração vinga os judeus através do próprio cinema. Duplamente. No argumento, é no cinema que acaba com o regime nazi. Mas ao refazer a História com a sua história, produz a mais sublime vingança, tal como havia feito Chaplin em O Grande Ditador (1941, no caso de Chaplin tratou-se de idealizar um futuro feliz).
Só que desta feita, em vez de sonhar com uma conversão esquerdista, um golpe colectivo de lucidez do povo alemão, Tarantino engendra uma vingança sádica e extremamente violenta bem ao seu estilo de Cães Danados, mas, tal como em À Prova de Morte, politicamente correcta. E, sejamos francos, é um imaginário prato frio que nos sabe tão bem…

2 comentários:

Tiago Ramos disse...

Correndo o risco de ser aqui insultado, considero este Inglourious Basterds superior a Pulp Fiction. Pronto, tenho dito!

Anónimo disse...

Concordo!
E sim. É sem duvida uma obra prima.
É um filme de pormenores, onde tudo é meticulosamente pensado . Quem não gosta de Quentin Tarantino fica em casa. Quem não gosta de bom cinema, também!

S.