sábado, 11 de julho de 2009

Vozes fora nada

À Escuta dos Silêncios, de Pedro Flores
Um silêncio côncavo. É uma espécie de silêncio assim que habita o filme de Pedro Flores, onze minutos de puro bom gosto, cheios de poesia, num dos dois únicos documentários presentes na competição nacional do Curtas Vila do Conde. É um silêncio côncavo, como o das igrejas, que repercute e amplifica os sons e os passos. Ou como a mente humana, onde também há, por vezes, um silêncio côncavo, com vozes que ficam a ressoar por ali... Costuma chamar-se-lhe esquizofrenia. Roy Vicent há trinta anos que ouve vozes e mora no meio de um campo inglês, cheio de ventos e arrepios. Mas ele diz que «o local mais isolado do planeta é a mente humana».

É um documentário desolado e nostálgico, como a paisagem. Mas construído com um rigor e uma delicadeza notáveis. Para já na forma como nos apresenta esta extraordinária personagem – um velho inglês de dicção perfeita, que tem esta particularidade ter vozes na cabeça. A câmara vai ao seu encontro, através do jardim, através das escadas, através da sua velha casa, também ela cheia de rugas, teias e outras injúrias do tempo. E também na forma como joga com o tema, colocando em planos idênticos, mas nunca coincidentes, a imagem e o som. É sempre a imagem de Roy que vemos, a passear na paisagem, a aproximar-se dos cavalos, a talhar madeira, a queimar papéis, a sentar-se na relva, a passar entre sepulturas, a esperar de olhar perdido numa sala escaqueirada onde está um órgão que se adivinha há muito silenciado ... Também é sempre a sua voz que ouvimos, sempre sempre em off. Na verdade Roy não fala, mas nós ouvimos-lhe a voz. Tal como ele ouve as aquelas vozes intrusas que lhe sopram na cabeça. Que, diz ele, tanto podem imitar o sotaque do inspector Clouseau ou de familiares mortos. Mas que lhe preenchem «o vácuo que sente entre as orelhas».

A fotografia é excelente, e o expediente com que o realizador gere e integra os silêncios, as falas dele e a paisagem é muitíssimo inteligente. A voz de Roy vai-nos conduzindo até ao final, que acaba da melhor forma . Com aquela voz grave a entoar uma canção. «Dont’ worry Roy you will be met».

1 comentário:

Ladislau disse...

Como é que se filmam vozes na cabeça? Fiquei curioso