domingo, 12 de julho de 2009

A minha namorada até fala estrangeiro

Canção de Amor e de Saúde, de João Nicolau












É preciso ir dar uma ‘ganda’ volta para chegar a este título, a propósito do filme que acaba de ganhar a competição nacional da 17ª edição do festival Curtas Vila do Conde.

Mas chega-se lá por associação de ideias. Parte da nova curta de João Nicolau passa-se num centro comercial decrépito do Porto, o Brasília, que já teve os seus momentos áureos e até figurou em Rapariguinha do Shopping, a canção de Tê e Rui Veloso. A mesma dupla é autora de outra canção cujo o refrão dizia «a minha namorada até fala estrangeiro e oh que felicidade ir buscá-la à faculdade». É o caso do protagonista desta curta: um serralheiro, que é o novo rapazinho do shopping, que não usa baton, nem os sovacos perfumados nem desce as escadas rolantes ao som disco dos Beegees. Nem tem glamour algum. Mas há-de arranjar uma «namorada que até fala estrangeiro». Neste caso francês, por razões alheias à vontade do realizador, mas já lá vamos.

Na cena de abertura do filme, há um longo bocejo da personagem, que se ergue da cama, e nos fita de olhar impávido, muito à João César Monteiro. Aliás, a personagem interpretada pelo músico, virtuoso da guitarra, Norberto Lobo, tem aquele ar vago e negligente, também muito à João César Monteiro. Mas não é só isto que faz lembrar o genial cineasta português, de quem João Nicolau chegou a ser assistente de realização. Também o tom, os diálogos naives mas com frases rocambolescas entremeadas, e a própria parvoíce... Mas também já lá vamos.

João Nicolau bisou Vila do Conde. Há três anos com Rapace (que venceu a própria competição internacional) e agora com esta Canção de Amor e de Saúde. O estilo é reconhecível. Os ambientes, a utilização da música, a estranheza, o non-sense, um certo tipo de humor... E esse é o maior problema do filme. Ser demasiado reconhecível dá-nos alguma sensação de dejá vu. Canção de Amor e de Saúde já não surpreende. Além disso, tem alguns problemas de ritmo. O que não significa que não seja um prémio mais do que merecido.

Logo depois da cena do bocejo, o realizador exibe o virtuosismo de um plano sequência de mais de três minutos. A câmara fixa-se no leão da rotunda da Boa Vista, abre para a rua, passam dois camiões, que num ardil bem engendrado formam o genérico, descobre-se a personagem principal que entra no shopping, desce as famosas escadas rolantes que também compareciam na canção de Veloso, dirige-se pelas catacumbas deste centro comercial fantasma, abre o seu «estabelecimento» de fazer chaves, aparece a colega do snack-bar e corta.

Toda a primeira parte do filme (talvez a mais interessante) passa-se nestas criptas de um comércio que há muito perdeu o viço. Para os portugueses estes «não lugares» são perfeitamente reconhecíveis. Nos anos 80 assistiu-se à fúria dos shoppings e centros comerciais. Em tudo quanto era bairro aparecia um. Mas a lógica capitalista é assim, os peixes grandes comem os pequenos, e não houve centro comercial-sardinha que sobrevivesse à voragem dos tubarões das multinacionais, dos hipermercados e dos Colombos. João Nicolau resgatou para cenário do seu filme estes ex-centros comerciais agonizantes, em que as lojas estão fechadas ou prestes a fechar e pelos corredores lúgubres não passa vivalma. Se em Rapace, nos mostrava uma certa Lisboa dos anos 90, em que as ruas de Telheiras tinham um banco porta sim porta sim, agora mostra-nos outra face da pós-euforia.

Com planos sequência, jump cuts, travellings para trás e para a frente, muitos interlúdios musicais (a grande mais-valia do filme), e muitas ambiências à velhinha nouvelle Vague, o realizador vai acompanhando este sonolento rapazinho do shopping, que passa os dias entre a indolência do tédio e a auscultação de dois oráculos, um uma maquineta electrónica do Teste do Amor e outro um pai que se esconde noutra dimensão, numa cave, algures atrás de uma porta. Aparecem umas meninas também muito nouvelle-vaguianas, até que há uma que lhe encomenda uma chave antiga, daquelas de abrir masmorras ou cofres encantados. A menina «cursa» Belas-Artes e fala francês por mera contingência de produção. A 15 dias da rodagem, o Canal + informou que só iria entrar com a sua parte do financiamento se 50% do filme fosse falado em francês. O realizador teve de adaptar o guião e pôr o elenco a franco-fonizar rapidamente. O que só prova que nem o cinema independente está tão independente quanto isso...

Entretanto, a chave da menina artista vai abrir outras portas ao protagonista, inclusive a do seu coração. E do porão do centro comercial passa-se para os jardins de Serralves, onde o protagonista apanha um banho de ar puro e de erudição. Apesar do apuramento estilístico, é aqui que o filme perde o ritmo, e se torna repisado, com diálogos assumidamente tontos, que só são despretensiosos na aparência: «Do que eu mais gosto é do teu sotaque italiano»; «Mas eu não tenho sotaque italiano»; «Pois não...»

1 comentário:

Ladislau disse...

Ganda Título!
Não podem pedir ao Branco ou ao sr da lusomundo que passe o filme? Esse e o que ganhou Cannes. é que assim malta nunca vê esses filmes. São muita bons mas ficam só prós amigos.