Entrevista com Jeff Nichols, o realizador de Histórias de Caçadeira
Um primeiro filme que regressa às mais primordiais emoções e que espelha uma tendência muito recente do novo cinema americano. Jeff Nichols, 29 anos, natural de Litlle Rock, Arkansas, filmou uma história de três irmãos sem nome e de um cão chamado Henry. E no Arkansas profundo, entre campos de algodão e uma estação de aquicultura, entre a lassidão e o tédio, entre o calor da terra e o vagar de um rio, entre três homens «marcados» por um destino que é fatal e trágico, e onde até paira uma personagem meia cega, cheio de ligaduras, como um profeta da desgraça...
FINAL CUT/ VISÃO: Uma das coisas que impressiona no seu filme é a forma como mistura um drama familiar e íntimo com uma dimensão de quase tragédia grega… Tinha este objectivo original de recriar o registo de tragédia num local tão improvável como o Arkansas profundo?
O seu filme parece ter duas partes. Na primeira três pesonagens aparentemente inofensivas limitam-se a andar por ali. Mas de repente, por reacção em cadeia, a extrema violência surge. Isso e o facto do filme se chamar Histórias de Caçadeira tem alguma relação alegórica com a história dos EUA?
Eu tento não separar as personagens do «plot». O desenvolvimentos das personagens é tão importante como a progressão da narrativa. Para mim, as cenas desses homens a viverem o seu quotidiano são tão importantes como as cenas de luta com os seus meios-irmãos. O meu objectivo foi que tudo funcionasse num nível de realismo e criasse uma relação emocional entre o espectador e as personagens. Nunca quis que as pessoas sentissem que estavam a ver actores ou heróis em acção. A violência, por incrível que pareça, não é um estado natural para a maior parte das pessoas. Não se pensaria assim, vendo a maioria dos filmes, a TV ou as notícias, mas eu acredito que a maioria das pessoas são inerentemente boas e não-violentas. Queria que a violência fosse algo desajustado para estes homens. Daí até ser alegórico em relação à sociedade Americana... Penso que o filme é um comentário da justiça «olho por olho» e da inutilidade da vingança. A América, especialmente durante a era Bush, pareceu seguir esta via do «olho por olho». Como país, sentimos que até éramos bons nisso. O mundo, agora, julga-nos pelos resultados dessa lógica. Mas a vingança nem é uma ideia exclusiva da América. É universal. Esses sentimentos ocorrem em todos os humanos, em todas as sociedades.
Ao crescer no Arkansas, vivi rodeado destas coisas (campos de algodão, o rio de Arkansas, as quintas, etc). Acho que a paisagem é ao mesmo tempo bonita e triste. É o que eu sinto acerca de Shotgun Stories. Quis que o filme fosse belo e triste. E penso que não é possível separar as personagens do seu ambiente. Aqueles homens são produto daquela zona. A maioria dos lugares neste planeta fragmentaram-se em retalhos sócio-económicos. Son, Boy e Kid são homens trabalhadores. Cresceram desta terra.
Em Portugal, não é muito usual que filmes independentes americanos estreiem em sala. No entanto, no Indie, o cinema americano teve uma forte presença, e o filme vencedor foi Ballast. Podemos dizer que os filmes americanos ganharam um novo fôlego? Será que se inaugura uma nova era na cinematografia, que demonstra uma certo cansaço das grandes produções? E isso faz com que haja uma reaproximação às histórias de pessoas normais?
Essa é uma grande questão. Eu penso que sempre houve um desejo ou uma sede de realismo nos filmes. Só assim as audiências se ligam emocionalmente a si próprias e aos filmes. O realismo tanto pode estar associado a uma grande produção como a uma pequena produção. Apenas me parece que nas grandes produções isto se perde mais frequentemente. Apesar disso, há excepções: Este País Não é Para Velhos, Haverá Sangue, Eastern Promisses (David Cronenberg)… São todos grandes filmes que atingiam os mais alto nível de realismo. E todos são de 2007 [tal como o Histórias de Caçadeira]. Agora estamos numa época diferente, mas tenho fé em que o público continue a desejar ver histórias honestas.
Depois do seu primeiro filme ter tido tanto sucesso, em termos de crítica, festivais e prémios, vai manter o mesmo registo independente?
Porque se lembrou de Michael Shannon para o papel de actor principal do seu filme?
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