segunda-feira, 27 de abril de 2009

Indie, Bach e Revolução





Sexta- feira, dia 24, 10 horas da noite. José Mário Branco no Teatro dos Bombeiros do Pinhal Novo, margem sul do Tejo. Um grande concerto (a solo) depois do concerto grande, na Culturgest, (com dezenas de músicos). Agora, anuncia, vai cantar uma música que compôs, em 1971, com letra do Sérgio Godinho, uma coisa já muito desactualizada... Não, diz, isto agora já não está nada assim, e no Charlatão substitui «país» por «Freeport»: «Entre a Rua e o Freeport/Vai o passo de um anão/ vai o rei que ninguém quis/ vai o tiro de um canhão/ e o trono é do charlatão»...

Mais uma corrida, mais uma viagem. Bernardo Sassetti no CCB, para ganhar coragem. 16 horas, na avenida. Ventos reaccionários, pólens alérgicos e a energia batucante dos Tocá Rufar. Tan-ran-tan-tan... Tan-ran-tan-tan...

21 e 45 horas, no Londres, o casal irlandês, que tem uma sequência de curtas na secção «Cinema Emergente» do Indie, intitulada Civic Life, e rodadas entre as comunidades locais de várias cidades inglesas, apresenta a sua primeira longa, em competição: Helen. Na verdade, só um dos realizadores compareceu à sessão. Christine Molloy teve de ir para o hotel deitar a filha, Joe Lawlor ficou a responder às perguntas no final. Há uma teenager de blusão de cabedal à kill bill que desaparece num bosque amarelado de Outono. Outra teenager chamada Helen é chamada pela polícia para fazer uma reconstituição policial do desaparecimento para a TV. A câmara começa por seguir Joy no dia do misterioso desaparecimento, mas quem capta é Helen e o seu, também, misterioso passado desaparecido. A uma falta-lhe futuro, a outra falta-lhe o passado. A uma família falta-lhe uma filha, a uma filha falta-lhe uma família. Uma miúda vai à procura de uma outra, mas acaba por ir à procura de si própria. É nesta troca de identidades, neste jogo de substituições que o filme se concentra, distanciando-se das convenções do thriller. Os autores não estão interessados em resolver um caso detectivesco, estão mais interessados num nível metafísico, nos truques de substituição emocional, em que cada um joga o seu consciente papel mesmo sabendo que é só a fingir... O filme mantém-se neste equilíbrio difuso entre a realidade e a ficção e há sempre algo que se perde, quando o argumento aterra, e se distancia do registo mais translúcido.

16: 00, de 26, no auditório do Museu do Oriente. Magnífica performance da dupla de músicos compositores antoniopedro (bateria, piano, voz, percussões, efeitos) e Filipe Rocha (contrabaixo, baixo eléctrico, piano, efeitos), no filme-concerto, do Indie Júnior. A dupla acompanhou a pedalada de Buster Keaton, ao longo das suas perseguições e fugas desenfreadas, em cima dos vagões de um comboio em andamento, a bordo de uma motorizada sem motorista, ou num carro híbrido, que também pode ser barco se a capota servir de vela... Excelentes as composições, a energia, o esforço, o humor. Risos da miudagem da era 3D e dos efeitos especiais, que descobriu que, no princípio do século, 3D, poderia querer dizer divertido, dinâmico e diferente...

19:00, de 26, no Fórum Lisboa. A energia também desenfreada de outra dupla: Herzog e Kinsky, na talvez mais insana rodagem do realizador alemão. Fitzcarraldo arrastava uma tripulação inteira, toda uma tribo de índios Jívaros, a transportar um barco a vapor, montanha acima. Herzog arrastava atrás de si, uma equipa inteira, extenuada pelos mosquitos, pelas epidemias e pelos destempero demencial da iniciativa. Este foi o Apocalipse Now do realizador, e que quase lhe colocou em risco a carreira. Os loucos têm sempre seguidores. É irresistível, quase hipnótica, a força de atracção da megalomania. E deslumbrantemente ensandecida esta história de um homem que, por amor à ópera italiana, consegue fazer um barco a vapor navegar por terra, na Amazónia. Ao pé disto, são peanuts as cenas de Jeremy Irons, feito missionário jesuíta, a escalar selva acima, amarrado a pedregulhos... Herzog haveria de usar mais vezes uma frase citada em Fitzcarraldo: «O elogio da inutilidade». E é curioso descobrir o lado western deste filme. Em vez dos despenhadeiros onde os índios faziam as emboscadas às caravanas no velho Oeste, estão os Jivaros, invisíveis e encolhedores de cabeças, ocultos, nas margens do rio Pachitea, à espera do vapor passar. E lembram-se do The Unforgiven, de John Huston? Daquela cena em que na cabana sitiada por índios kiowa se trava um duelo musical, entre a mãe que toca piano «contra» a batucada da tribo? Há um duelo musical parecido, entre os tambores e flautas primitivas dos Jívaros e a voz irreal do tenor Caruso, que ecoa no Amazona, vinda de uma grafonola... Inesquecível.

Sem comentários: