sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Da BD ao cinema e vice-versa

Encontro imediático com Filipe Abranches


O que mais conta, por vezes, não é o sítio onde se está, mas sim o caminho feito para lá chegar. Senão vejamos: se esta fosse a história de um jovem, de 25 anos, que tirou o curso de cinema e fez um filme, pouco mais haveria para contar que não o próprio filme. Mas esta é a história de um jovem que tirou o curso de cinema, e depois tornou-se um dos mais conceituados autores de BD e ilustração, e, 15 anos depois, realizou um filme. É caso para dizer, as voltas que a vida dá. Que é como quem diz: às vezes é preciso dar uma grande volta para ir passar ao mesmo sítio. Ou à casa ao lado. Tudo isto são códigos para perceber o universo de Filipe Abranches.

Mas vamos devagar, porque esta história mete outra História. A do curso que começou a tirar. Andou pela Faculdade de Letras ainda durante dois anos. Até que, fruto de uma paixão súbita, se inscreveu no Conservatório de Cinema, à revelia dos pais. «Se contei aos meus pais depois de já lá estar», explica. Na altura, só havia bacharelato. O curso terminou depressa. A prática foi menos entusiasmante. Especializou-se em montagem, no corta e cola que, então, ainda era feito manualmente, mas achou tudo extremamente «estranho, burocrático, tecnológico». Não se deu bem com aquele conceito colectivo da arte. «Andei chateado com o cinema, mesmo ao ponto de deixar de ver filmes, passei a ligar mais ao teatro», conta. Uma grande paixão convertida quase em ódio. Mas Filipe Abranches tinha um amor escondido. Desenha desde que se lembra. E, com o cinema de lado, a BD e a ilustração começou a ganhar força.

A banda desenhada, como o próprio salienta, também tem o seu quê de montagem. Está tudo no papel, só que evita a «ditadura da imagem» imposta pelo cinema. Na BD pode-se sempre voltar atrás. «A BD tem um enorme potencial narrativo, pelo simples facto de haver um quadrado ao lado do outro, o que proporciona uma interactividade superior». Explorou o universo dos quadradinhos em inúmeros livros de sucesso. Começou no Clube da Banda Desenhada, e fez álbuns como O Diário de K, Alô? ou História de Lisboa. Entre prémios e distinções, destaque-se um troféu, na Amadora, a Bolsa de Criação atribuída pelo IPLB em 1998, a Bolse Découverte que lhe deu o Centre Nacional du Livre de France, e a participação como ‘Autor Convidado’, no Salon du Livre de Paris. Hoje a Banda Desenhada vai ficando para segundo plano. «Depois do boom dos anos 90, entrou em grande crise», explica. Por isso, limita-se a encomendas. Melhor está o mercado para os ilustradores, e essa tem sido a sua principal actividade. Trabalha regularmente com o Expresso. Foi também coordenador do Mestrado de Ilustração da Escola Superior Artística do porto – Pólo de Guimarães, e lecciona no Departamento de Ilustração/Banda desenhada do Ar.Co.

E o professor, em 2006, voltou à escola… como aluno. Quando o curso de cinema passou a licenciatura, foi convidado a terminá-lo. Reconciliou-se com a sétima arte. E começou a pensar em fazer um filme em outros moldes. Uma obra de autor – salto permitido pela tecnologia. Surgiu assim a ideia de Pássaros – a adaptação de uma banda desenhada homónima. Dito e feito. Encontrou um produtor, recebeu o subsídio do ICA e, dois anos depois, estavam prontos os sete minutos de filme. Sete minutos de invulgar beleza, a preto sobre o branco, como nos habitou nos seus desenhos. «É um filme de autor até ao final cut», afirma. E não houve nada que não passasse por ele, desde o desenho, frame por frame, até à música, criada pelo próprio, em busca de um som «rarefeito». Entre os talentos escondidos, Abranches toca guitarra. Quem viu gostou. Pelo menos, foi essa a opinião dos júris do Indie Lisboa, que lhe atribuiu o prémio de realização, e do Cinanima, que deu a Pássaros o Prémio Tobis.

E a verdade é que lhe retomou o gosto. Filipe Abranches prepara já o próximo filme. Sanguetinta, assim se chama, mistura imagem real e a sinopse promete: um marinheiro e uma fadista acham-se num encontro amoroso, mas são as suas tatuagens animadas que contam as histórias. No seu atelier na Baixa de Lisboa, Filipe Abranches explica o projecto. Já tem um molho de folhas desenhadas, com estudos de personagem, esboços, story boards e até alguns frames. Depois olha, para o plano do projecto. Se tudo correr como o previsto, estará pronto lá para 2012… Dura apenas sete minutos…Sete longos minutos.

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