terça-feira, 1 de setembro de 2009

O gosto de Filipe Melo

Na secção O Gosto dos Outros, convidamos personalidades a escolher e comentar cenas ou sequências de filmes. O músico e produtor Filipe Melo escolheu um filme dos Irmãos Marx

Um Dia nas Corridas, dos Irmãos Marx (realização de Sam Wood)




Comentar música ou filmes é extremamente difícil para mim. São as duas coisas a que me dedico e de que mais gosto, e que, quando são boas, dispensam análises, críticas ou divagações.
Escolher uma cena de um filme é uma tarefa ingrata, porque ao pensar um pouco no assunto, dei por mim a rever muitas cenas marcantes, que sem dúvida alguma me influenciaram e inspiraram.
Passaram muitas, muitas cenas pela minha mente, e logo a seguir pela janela do youtube, até encontrar uma que reunisse todas as condições - não podia ser qualquer uma.
Escolhi uma cena sem palavras, e ao vê-la perceberão que nenhuma é necessária, tal como este texto não é necessário. Analisar, explicar ou dissecar esta cena é não a compreender. Este texto serve apenas para partilhar convosco, caros leitores, um momento de que me lembro desde criança e que me marcou profundamente. Se ainda não os conhece, recomendo-lhe imediatamente que veja os filmes dos irmãos Marx todos (de seguida), e ficará uma pessoa melhor; se já os conhecia, então seguramente gostará de os rever neste pequeno vídeo.
Esta cena musical é do filme "Um dia nas corridas", de 1937. Os irmãos Chico e Harpo, além de comediantes de primeira linha, eram verdadeiros virtuosos nos respectivos instrumentos (piano e harpa). O que mais me espanta, porém, é a verdadeira demonstração de talento no seu estado mais puro. É o espírito de algo que não tem nome, mas que transcende a comédia, o drama, a tragédia - é algo puro, profundo e emocionante: além disso, é simplesmente divertido de se ver.

Chico toca uma canção chamada "On the beach at bali-bali", mas é interrompido por mafiosos. Harpo começa por tocar o Prelúdio em dó sustenido menor de Rachmaninoff, mas a coisa não corre lá muito bem, e o piano explode: pode acontecer a todos, não é uma peça fácil. O momento brilhante é quando usa a harpa do piano para tocar uma das suas próprias composições - só quando toca podemos vislumbrar o lado sério de Harpo, que também não usou a palavra uma única vez ao longo da extensa carreira com os seus irmãos.
O único defeito desta cena é não incluir o Marx menos musical, mas não menos talentoso, Groucho Marx, uma das grandes influências no humor contemporâneo, e um génio não menos flagrante. Espero que se divirtam e que esta cena vos motive a fazer coisas bonitas e inspiradoras. Para concluir, deixo-vos com uma "one liner" de Groucho Marx: Those are my principles, and if you don’t like them… well, I have others!


Filipe Melo é músico de jazz e produtor de cinema. Produziu I'll see you in my dreams, o primeiro filme de zombies português, que vai ser lançadoem DVD, numa edição especial, no MotelX, que começa amanhã, dia 2


1 comentário:

Manel disse...

Grande escolha, a do Filipe. E o texto, subscrevo palavra por palavra. Também podia estar aqui a sequência musical no navio em A night at the opera, ou a harpa e os espelhos desse Harpo que é o rosto da seriedade e da concentração quando toca. Ou um exemplo musical do génio não-musical de Groucho, o antológico Lydia, the tatooed lady. :)

é difícil escolher um, de facto. e sim, é daquele tipo de cinema que faz de nós pessoas melhores.