quarta-feira, 8 de julho de 2009

Os Homens da Luta

Matar o tempo, de Margarida Leitão



Num estilo preciso e cinzelado, a realizadora fez este documentário brilhante que acompanha as horas mortas de um piquete de luta laboral. Acampado à porta da fábrica Pereira da Costa, um grupo de operários armou uma barraca – e quando se diz armar uma barraca prescinde-se por completo da conotação espaventosa da expressão. Margarida Leitão tem a estratégia da aproximação distanciada para chegar a estes operários, e aos bastidores da sua luta. Como vivem naquelas instalações precárias, como esperam, como comem, como dormem, nesta espécie de tenda improvisada, enquanto decorre o processo de resistência passiva e de exigência dos seus salários em dívida. Outrora mataram-se a trabalhar, agora matam o tempo à espera que o patrão lhes pague o que deve. Não arredam pé, naquela barraca feita de estacas e lonas. «Saber esperar é uma virtude», diz um deles. O filme começa com uma palete a ser destruída, daí a nada há-de ser lenha para um churrasco instalado num meio bidon. Há mais de um ano que estão ali naquele acampamento forçado. Assam bifanas, temperam a salada, marcam as escalas, jogam dominó, conversam… A câmara já conquistou aquele ponto da invisibilidade da habituação, e a certa altura capta um velhinho vestido de fato de macaco que folheia as folhas de uma Hola (ou de algum sucedâneo). Sofre de astigmatismo, aproxima as lentes garrafais de um fotografia de George Clooney. De repente, os antípodas do mundo reúnem-se num ponto só, como o Aleph de Borges: ali temos o glamour plástico de Hollywood gravado nas lentes dos óculos do que resta do proletariado europeu. É um das cenas antológicas do filme.

Sem recurso a voz off, sem a bengala dos testemunhos para a câmara, a realizadora segue este processo revolucionário em curso, quando o colectivismo ainda faz sentido e ainda funciona. Estes homens já resistiram ao «terrorismo laboral» do empresário, não é qualquer vendaval reaccionário que os vai fazer debandar. «A barraca tem de se manter até ao fim da luta. Cheia de remendos mas tem de ser manter». E a gente a pensar porque não se remenda, já agora, a bandeira de um país, descoloriada e em fiapos. Sem retóricas rebartivas, sem mensagens panfletárias, o filme devolve a dignidade que fora negada a estes homens.

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