terça-feira, 14 de julho de 2009

Males de família

No rescaldo de Vila do Conde, o FINAL CUT fala com Cláudia Varejão, autora de Um Dia Frio, um dos mais interessantes filmes da Competição Nacional


FINAL CUT: Voltas a retratar uma família. Mas, desta vez, com uma estrutura narrativa multi-plot, dividida em quatro, em que acompanhamos o dia de cada um dos elementos de uma família. É um tema que te interessa?
CLÁUDIA VAREJÃO: A premissa era acompanhar o percurso individual de forma íntima, atendendo ao gestos mais quotidianos, rotineiros e banais de cada um deles. Ao escrever reparei que, inevitavelmente, é muito distinto o que vivem os filhos do que vivem os pais. Os filhos estão virados para fora e os pais virados para dentro. Há uma solidão que atravessa os quatro. Vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Contudo, o final, não sendo propriamente feliz, é um final aberto para a vida. Amanhã será tudo igual, mas a vida continua.

No meio de toda essa solidão, é bonito ver o regresso e a forma como quase se amparam ao final do dia. É um filme que defende a família?
Sim. No pequeno-almoço eles estão todos separados, mesmo dentro de casa, sempre de costas voltadas. Mas também não se atropelam. A única altura em que sentimos uma proximidade física é no final. Dá a volta ao espectador. Quem está a ver o filme pensa: «Ah, mas afinal eles amam-se».

Filmas muito Lisboa...
Gostava de ter filmado mais. Mas não houve espaço. Tenho muito material que ficou de fora. Faz parte. Queria dar volta muito grande, mostrar Lisboa no Inverno, mas não foi possível. Contudo, julgo que se sente a cidade.

Aqui não há heróis.
O antagonista é a própria vida. Trata-se da sobrevivência à dor, à morte, à dificuldade construir uma família. Esse é o lado heróico. Para mim era muito importante que fosse uma família da classe média. Ter tudo no meio termo.

Aparentemente não acontece nada, mas depois há acontecimentos fortes. Talvez não tanto no filho….
O miúdo também. Aquilo é muito forte para ele. Há a mudança do corpo na pré-adolescência. É por isso que ele falta à escola, para estar consigo, para se descobrir. São conflitos importantes. O pai lida a perda da sua própria mãe, com a orfandade. A mãe com a possibilidade de uma doença terminal. A filha, voltada para fora, tenta descobrir quem é ou quem pode ser através da descoberta da sexualidade….

O que vais fazer a seguir?
Estou a escrever a próxima curta com a Joana Cunha Ferreira. Acho muito importante a curta-metragem no percurso de um realizador. A ficção é um trabalho muito demorado, em que é preciso pensar muito. Por isso, acho bom ir experimentando. E o melhor formato para fazer isso é a curta-metragem.

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