sexta-feira, 31 de julho de 2009

Geração crisálida

Ou morro ou fico Melhor, de Laurence Ferreira-Barbosa



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Não será o primeiro nem o último filme em que as personagens assaltam casas para não roubar coisa nenhuma. Em Ferro 4, do sul-coreano Kim Ki-Duk, um rapaz entra em casas de estranhos para experimentar as suas vidas. Em Goodnight Irene, de Paolo Marinou-Blanco, a personagem interpretada por Nuno Lopes invade lares alheios para fotografar e preservar as memórias dos outros. Em Os Educadores, do austríaco Hans Weingartner, um grupo diverte-se a remodelar as casas dos ricos, para lhes dar um pouco mais de graça. Em Ou Morro ou Fico Melhor, as personagens forçam a entrada num jogo infantil: «Faz de conta que vivíamos aqui».
Estas personagens são fortes, poderosas e sedutoras. Martial, o protagonista do filme, e Colette e Ernestine, duas gémeas tão fascinantes como assustadoras (magnífica estreia de Corine e Marine Barbosa). Inevitavelmente o espectador fica vidrado na sua estranheza e prefere seguir a relação entre Martial e as adolescentes, absolutamente selvagem e intrigante, em detrimento do outro eixo que Laurence Ferreira-Barbosa definiu como principal, estabelecido entre mãe e filho.
Deliberadamente, Laurence Ferreira Barbosa vinca os traços das suas personagens, para as tornar dramaticamente mais interessantes. Não tanto as personagens mas os seus relacionamentos que são sempre excessivos. Retrata a relação entre uma mãe e um filho de 16 anos. Uma relação disfuncional como é quase obrigatório naquelas idades. Na adolescência, por natureza, os filhos querem fugir dos pais, na tentativa de reenquadrar as relações familiares na nova perspectiva do mundo. É a idade onde se corta de forma definitiva o cordão umbilical. E até é conveniente que essa fuga se concretize: que a larva volte a entrar, como borboleta. A geração crisálida.
A mãe, claro, sente-se perdida. Ainda mais do que é vulgar acontecer. Por um lado, quase que o esmaga, numa postura excessivamente intrusiva, por outro foge-lhe (quando ele se aproxima) numa atitude claramente egoísta. O filme é feito de ambivalências e contradições, esse é o seu lado mais interessante, mas também de um certo radicalismo.
Os adultos são absolutamente egoístas. Há uma despreocupação caricaturável do pai em relação a Martial. A própria mãe chega a abandoná-lo durante uns dias. E Martial não é apenas um adolescente que se fecha do mundo dos adultos. É um adolescente que se coloca à margem do mundo dos adolescentes. E, nessa perspectiva, Ou Morro ou fico Melhor é um filme sobre a solidão. Pois é um mal de que sofrem todas as personagens, até mesmo as gémeas que padecem de uma cruel solidão a dois. O retrato máximo dessa solidão adolescente é a cena em que Martial paga ao mais popular rapaz da escola para vir a um lanche que dá em casa (só para agradar a mãe).
Perante uma vertigem para o isolamento absoluto, Martial sente-se atraído pelo vazio, e mergulha de cabeço no mais proibido dos universos: o daquelas gémeas tão fechadas que parecem impenetráveis. Põe em causa o pequeno mundo das irmãs, mas é ele que passa por provas de iniciação, até ser aceite, não apenas como amigo, mas como parte delas. Contudo desfaz essa simetria absoluta. Funciona o triângulo, mas a irresistível tentação de viver no vértice acaba por provocar o cataclismo final. Depois de rebentar com todas as barreiras, Martial está finalmente pronto para entrar na idade adulta. E por aí se encontra novamente a ambivalência, porque o filme acaba bem, apesar de tudo acabar mal. Apenas com umas letras a mais.

1 comentário:

Ladislau disse...

As gémeas têm muita pinta