segunda-feira, 8 de junho de 2009

Solidão nos Campos de Algodão

Histórias de Caçadeira, de Jeff Nichols






Há rolos de algodão colhidos nos campos. Há um rafeiro amarelo que se coça com a pata traseira numa estrada poeirenta. Há o langor do sol de Verão, no sudoeste do Arkansas. Há um rio. Há três irmãos sem nome e um cão de raça chamado Henry.

E há um rasto de tragédia que ficou fora de cena, mas que se pressente, na vidas banais e insignificantes destes três irmãos a quem os pais não se deram ao trabalho de dar nomes: chamam-se Boy, Son e Kid. Não lhes conhecemos as infâncias, apenas as adivinhamos. Porque elas se projectam na idade adulta destes seres inúteis, sedentários, falhados, de passos vagarosos, como o tempo.

O mais velho mora numa casa despojada, trabalha numa estação de aquacultura, é viciado no jogo, e acaba de ser abandonado pela mulher e o filho.
O outro mora numa tenda no jardim, ajuda o irmão na aquicultura, e anda a equacionar aceitar o pedido de casamento da namorada.
O terceiro mora na carrinha e passa o tempo a dar orientações a miúdos no basket e a arranjar um velho aparelho de ar condicionado que encontrou no lixo...

A primeira longa deste realizador revelação, Jeff Nichols, é mais uma evidência de que há cinema americano para além dos grandes estúdios e do mainstream. Já o filme vitorioso desta edição do IndieLisboa nos colocava nessa senda do novo cinema americano emergente. Histórias de Caçadeira tem essa leveza de uma pequena produção, mas a densidade de uma trama que se adensa, se embebe e se amplifica – como o algodão, enfim...

Acompanhamos as deambulações destes irmãos por este Arkansas profundo, onde o calor se sente nas peles e a prostração nas vidas. Jeff Nichols filmou em cenários reais, nos campos, nos bares, nas bombas de gasolina da terra. E os três irmãos estão presos, como raízes, a esta terra de combustão lenta. É assim que o filme abre, com estas três personagens instaladas que deambulam por ali, com o mistério que cobre as cicatrizes e marcas de chumbo que Son exibe nas costas, também a pairar por ali...

O espírito une-se à matéria, ao espaço, à paisagem, ao tempo. A história é filmada com precisão e sem efeitos, com silêncios e emoções resguardadas, com laconismo e lentidão, com frases curtas e expressões fechadas, com tempos mortos e a presença de Michael Shannon que marca todo o filme. Este irmão é o vértice do triângulo, é ele que sustenta o parco equilíbrio entre irmãos - várias vezes aparece enquandrado, ele ao centro, ladeado dos dois irmãos.

Já antes, o actor Michael Shannon dera nas vistas, e foi por isso nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário: era o louco-que-dizia-as-verdades em Revolutionary Road. Se Jeff Nichols se torna, a partir desta obra de estreia, num realizador a seguir com atenção, Michael Shannon fica definitvamente debaixo de olho.

Ao contrário de Ballast, em que o drama familiar se vai desenrolando, em meadas de novelo, fio por fio, em Histórias de Caçadeira, ele aparece demasiado denunciado: filhos abandonados por um pai negligente e alcóolico, um irmão mais velho que assumiu a autoridade, uma mãe amarga, e os meio-irmãos legítimos, de classe média, da família que, entretanto, o progenitor regenerado reconstituíra. A história começa a rasgar um atalho de tragédia grega, quando o pai morre e o filho desprezado vai ao funeral para lhe cuspir, literalmente, na campa. Nas tragédias é preciso sempre que alguém morra para que toda a dimensão do desastre desabe sobre os destinos.

De repente, em pleno Arkansas, naquelas paragens de tempos mortos e vidas inúteis, a violência de uma luta fatrícida como a de Os Sete Contra Tebas, de Ésquilo, quando Édipo deixa como herança a sua maldição à prole, que se digladia e dizima. Todos os caminhos, até os do Arkansas, vão dar aos gregos. Eles falaram primeiro das coisas importantes.

2 comentários:

Mike disse...

Era uma vez na amerika k n aparece noutros filmes

Júlia Coutinho disse...

fui ver e gostei muitissimo.
um frio gelado com cheiro a violência e a solidão a percorrer-nos por dentro.