segunda-feira, 22 de junho de 2009

Gripe V: Tenham mais ou menos medo




Toda a gente sabe. Que eles não podem apanhar sol, nem com factor de protecção 40. Que não apreciam o odor a alho. Que fraquejam ao sinal da cruz. Que procuram um sítio sossegado para repousar. Que têm um apetite voraz, mas fazem uma dieta à base de líquidos. Que o primeiro tipo a lançar a pandemia mundial vivia num castelo inóspito, nas montanhas da Transilvânia - e era romeno e tinha sangue azul, no sentido menos literal da expressão. E que o período de incubação é variável, mas assim que contraído o vírus V, a terapêutica mais indicada é uma estaca afiada pregada no coração – e há ainda quem aconselhe a decapitação, just in case...

E toda a gente está tão bem informada porque desde o princípio do século que a vida deste conde romeno (completamente ficcionada pelo escritor Bram Stoker) tem sido espiolhada, investigada, deslindada, esquadrinhada, revista e actualizada pelo cinema. Já travámos conhecimento com vários Dráculas. O de Murnau, completamente calvo, muito acoelhado, com dois dentes incisivos afiados. O de Boris Karloff (Dracula, 1931), que já ganhava o seu semblante clássico de capa e caninos salientes. Em 1979, apareceu um misto entre os dois, masa completamente único, o de Klaus Kinski (de Werner Herzog). E finalmente Gary Oldman, de Coppola – que também se tornou um clássico. Entretanto imensas criaturinhas sugadouras amedrontaram as audiências. Às vezes, de consistência mais esponjosa, como as de Rodriguez (Aberto até de Madrugada), que se pulverizam à paulada, ou mais indefesos, num tom arrepiado e gélido, mas cheios de design nórdico, como os do excelente filme de terror sueco (Deixa-me Entrar, de Thomas Alfredson). E outros mais sexys – com os irritantíssimos vampiros de Crespúsculo ou de Entrevista com o Vampiro, que só não apareceram neste inquérito por um puro acto de prepotência discricionária: os autores deste blogue não gostam dos filmes.

E o que prova que os leitores deste bolgue têm sentido de humor é o vencedor do inquérito desta semana ter sido o filme de Roman Polanski – Por Favor não me Mordam o Pescoço. Os vampiros de Polanski são grotescos, poeirentos, encardidos e maltrapilhos – e absolutamente inesquecíveis. O próprio Polanski e a mulher, a lindíssima Sharon Tate (dois anos antes de ser assassinada), também por lá andam, neste castelo mal ancorado num abismo, com lobos uivadores e talvez o melhor servente de Drácula da história do cinema. Chama-se Koukol, é corcunda, claro, tem mais gengivas que dentes e devora lobos. Mais tarde, Polanski regressou a este mesmo registo da comédia negra, com o incompreendido e também fantástico Piratas (1986).

O filme revisita toda a mitologia dos filmes de vampiros, ponto por ponto. Mas ao mesmo tempo trata logo de as subverter, quando faz aparecer um vampiro judeu, que não se deixa intimidar com cruzes. Ou um vampiro gay. A fotografia é fabulosa, o humor desconcertante, e basta dizer que é Polanski... Há cenas antológicas, autênticos gags chaplinescos, como a do próprio Polanski a fugir do vampiro gay num claustro. Ou a do baile dos vampiros, que podem rever acima.
A propósito: toda a gente sabe que os espelhos não devolvem a imagem aos vampiros.

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