quarta-feira, 27 de maio de 2009

A menina vampiro precisa de amigos


Deixa-me entrar, de Tomas Alfredson








Há um motivo óbvio para que os vampiros evitem a Suécia e outros países escandinavos: se durante o Inverno se pode assemelhar a um paraíso negro, no Verão rapidamente se transforma num Inverno de Sol. Esse talvez seja o primeiro motivo a provocar pressa nesta menina vampira do Norte, andarilha por natureza, inquieta, num secular estado de fuga. Os vampiros, mesmo os mais imberbes, não se podem dar ao luxo de se tornarem sedentários – arriscam-se a ser devorados pelos homens e pela luz.A cidade de Estocolmo, submersa de neve, num universo gélido e nos olhos frios dos seus habitantes, mostra-se um cenário mais que perfeito para um filme de terror. Logo de início, nada de estranho tem que acontecer para provocar uma sensação de estranheza. Há uma sordidez pávida nos olhares, nos costumes, na falsa pacatez, adensada pela inteligente forma de filmar de Tomas Alfredson, muito astuto a usar a focagem como ferramenta. A claridade da neve, dos cabelos, dos olhos, revela-se mais assustadora do que qualquer escuridão. A maior habilidade, contudo, está no seu inverso: a capacidade de transformar os mais hediondos crimes em actos de amor. Antes de mais, num amor paternal e comovente, de um homem que tem de matar para alimentar a filha, que precisa de sangue humano, como outros de proteínas. Actua com um caçador recolector que tem de sacrificar outros animais para alimentar as crias. Mata para viver. E talvez nem seja muito bom pai, porque se revela muitas vezes desastrado. A dicotomia – matar para não morrer – é mesmo a questão mais profunda do filme.Esse amor potencial atinge o auge no momento em que o pai, já hospitalizado, amamenta a filha – coisa impossível a um homem – mas que ele consegue, não oferecendo o mamilo, mas sim a carótida.É assim, acima de tudo, um filme sobre amor. Amor e vingança, sendo que para esta última o leitmotiv é bullying. O desafio de entender o monstro, aqui é conseguido da forma mais comovente e sublime: encontrando o monstro que há em nós. A menina vampira não tem culpa de precisar de sangue em vez de leite: há uma presunção de inocência a que acabamos por aderimos.Apesar de tudo isto, Deixa-me entrar tem a clareza de não fugir aos cânones do género, sendo justo o título de obra-prima do cinema de terror europeu. Só que não é um filme de sustos. Actua de forma mais profunda e intrínseca, revelando, em simultâneo, uma poderosa metáfora sobre a pré-adolescência. O mundo é hostil não só para os vampiros. Mas, e isso nos serve de consolação, apenas na justa medida em que os vampiros são hostis para o mundo.

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