quarta-feira, 8 de abril de 2009

A corte e a costura

Ela por Ela, de Fernando Lopes (DVD)


Não é bem um sofá. Tem a delicadeza de não se chamar poltrona e o toque quase palaciano de não ser mera cadeira estofada. Esta peça de mobiliário leva um nome muito mais subtil, equívoco, feminino e até agustiniano: «senhorinha». Será aqui, em duas senhorinhas floridas, frente a uma lareira apagada, que outras duas senhoras sem diminutivo, Agustina Bessa-Luís e Maria João Seixas, se instalaram durante três horas, ao longo de 13 episódios, de 25 minutos cada, que passaram a más horas na RTP2 (Ela por Ela), e em boa hora se reúnem num duplo DVD.
A Corte do Norte, o romance de Agustina, segundo João Botelho, está em cartaz. Esta corte do Norte, filmada por Fernando Lopes, é a autêntica, aquela onde Agustina reina: a sua casa do Porto, a sua sala de estar, os tapetes que
pisa, o verde do jardim a espreitar pela janela, a mesinha do chá, os apelos de intimidade nos retratos de família... No genérico, Lopes deixa à mostra as costuras do programa: os rudes objectos cinematográficos, câmaras, cabos, a grua do microfone, holofotes, intrusos alienígenas, invasores de caos na suave ordem daquela corte. O tema Sherezade, de Nikolai Rimsky-Karsakov, é um prenúncio musical do que se vai seguir, conversas que puxam outras e se deixam em suspenso para o episódio seguinte – e assim não há sultão cruel que mate virgens a cada aurora. Agustina faz sala, ao sabor da improvisação, como numa peça de jazz sem partitura, admitindo o insólito e o inesperado. No extra do primeiro DVD, Maria João Seixas explica que esta «audiência» na corte doméstica da escritora aconteceu por sugestão da própria. Em 1995, Agustina dirigiu a proposta a Maria Elisa, directora de programas de então. Indiferença total. Muitos directores de programas, uma década e alguma insistência depois, a autorização para o programa, enfim. Entre os campos e os contracampos de Lopes, o manancial de histórias, imaginários, viagens, comentários transversais, as curvas, as contramãos, as esquinas improváveis nas rectas sempre ziguezagueantes da escritora. As histórias que se pressentem por detrás dos provérbios e aforismos, os homens que preferem as louras por causa das selvagens nativas da Britânia, ao tempo do Império Romano, o sentido erótico de usar muitas saias, as mulheres megeras que, depois de tantos anos de encurralamento doméstico, e, como os animais presos, «se tornam perigosas», o amor que é uma invenção recente «e que não fez falta nenhuma durante milénios»… Acontecia apresentadora e escritora «picarem-se», admite Maria João. Agustina não é entrevistada docilmente conduzível. No final de uma das gravações, o dr. Alberto, marido de Agustina, abeirou-se da entrevistadora: «É que às vezes Agustina não fala, ela decreta.» Tal como costumam fazer as rainhas nas suas cortes.



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