segunda-feira, 27 de abril de 2009

Nem as paredes confessam...

Ruínas, de Manuel Mozos


Por acaso, até confessam. Confessam muita coisa. Por isso, é que o realizador Manuel Mozos nos põe a olhar para elas durante uma hora. Não é castigo, como na escola, mas não deixa de ser um teste à perseverança. A do olhar, o nosso. E a perseverança delas, as paredes, que se mantêm de pé, apesar de inúteis, esquecidas, obsoletas...

É uma mania das paredes, muitas ficam ali, com ar de milhafre ferido na casa (como diz uma canção), apesar de não sustentarem coisa nenhuma. A não ser que se proceda à eutanásia das paredes, que foi o que aconteceu às Torres de Tróia. E é com esta implosão que Manuel Mozos abre a sua sequência de ruínas. Dos escombros ao pó.

A maior parte são ruínas de um Portugal bolorento, pequenino e muito Estado Novo... Algumas são reconhecíveis, antigos hospitais, orfanatos abandonados, o Parque Mayer, as Minas de São Domingo, a Estalagem Gado Bravo, o Restaurante Panorâmico de Monsanto... Mas também muito casa de azulejinho e couves no quintal.

O realizador também constrói o seu documentários com ruínas, excertos, pedaços... Às imagens junta fragmentos em voz off, alguém que lê uma receita, uma carta, uma relatório, actas, notícias, versinhos, análises de hematologia... Como se fossem ecos que nos devolvem estas ruínas, que apesar de despovoadas ainda conservam a memória daquilo que foram e daquilo que abrigaram. Com maus tratos, mazelas, cicatrizes, infiltrações e outras injúrias do tempo e do esquecimento – estes são os nossos interiores. Ou, de outra maneira, estes interiores também somos nós. A câmara de Mozos capta o visível e o invisível- e numa das paredes lá está, coberto de pó e encardido, mas ainda bem pregado à parede que o ampara: um retrato de Salazar.

1 comentário:

Sue Patrício disse...

O fadinho vem a propósito. esse realizador Manuel Mozos também fez um documentário sobre a Aldina Duarte que passou no Indie: fica a informação