quinta-feira, 23 de abril de 2009

Fora do cãotexto






Não houve margem para dúvidas, nem a mínima tensão hitchcockiana. Desde os primeiros dias, as intenções de voto, no inquérito sobre cães no cinema do Final Cut, inclinaram-se para o Flick, de Umberto D. O cão do neorealismo de Vittorio de Sica conseguiu uma vitória arrebatadora de 32%.

Nem as nostalgias sentimentalistas ou geracionais da Lassie (16%) o destronaram, nem os resultados de bilheteira de Marley o esmagaram (6%). O labrador amarelo, desta silly season que dura o ano inteiro, ainda obteve menos votos do que o tão remoto e insignificante Toto, de Feiticeiro de Oz, que se resumia a ser uma bolinha de pêlo que seguia pela estrada de tijolos amarelos...

Regista-se que a saga Beethoven não registou um único foto, e que o lulu e o rotterweiller do filme Go Go Tales, tiveram uns significativos 8% - nada mau para quem se limita a andar por ali, a rondar as pernas das strippers, num cabaret decadente...

O cão de água assassino (na verdade, é um pit bull que também sabe nadar), da fantástica cena dos irmãos Coen, conquistou 7% e, curiosamente, uma velha cadela, que nem ganidos se atreve a dar, junto ao seu raivoso dono, Clint Eastwood, atingiu os 10%.

Flick só podia ganhar. É o cão de um clássico e isso faz dele um «cão clássico», apesar de ser tão rafeiro e tão íntegro quanto os seres que normalmente povoam o neorealismo italiano.

É inesquecivelmente comovedora a relação deste velho reformado, que se arrasta pelas ruas de Roma, entre a miséria e a dignidade. E partilha com o animal de estimação o seu quarto alugado e a comida numa instituição de caridade. Aliás, se repararem bem, a espantosa cena de reconciliação entre o pai e o filho, em Os Ladrões de Bicicletas, é retomada aqui, entre o dono que tenta reconquistar a afeição do seu cão. É toda uma lição de vida ver e rever este filme.

Obrigada por nos darem o pretexto para fazermos o post deste excerto...

Boas (e novas) Visão!

3 comentários:

Ladislau disse...

Esse cão devia receber um óscar póstumo. e o cão triste do Manuel Alegre o osso de chocolate

jmduarte disse...

Só não percebo porque é que esse cão triste do Manuel Alegre é sempre para aqui chamado? Por acaso alguma vez entrou no cinema? Os ladilaus comentam, às duas e meia da manhã, as caravanas de matilhas passam...

Ladislau disse...

Não entrou mas devia ter entrado. Devia ter feito de cão das lágrimas no filme do brasileiro. Aliás a Walt Disney devia adaptar o livro do Cão do Manuel Alegre ao Cinema. E eu não sou Ladilau, isso é nome de cão