quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Orgulhosamente sós

Solidão, de Jaime Rosales




É raro mas às vezes acontece. O título em versão traduzida ser melhor conseguido do que o original. Ou pelo menos mais consentâneo, ou mais coerente com o espírito do filme. A segunda longa do espanhol Jaime Rosales chama-se La Soledad, mas em inglês chamaram-lhe Solitary Fragments. É que os fragmentos não têm só a ver com o split screen – quase metade das cenas do filme são apresentadas em polivisão, com o ecrã dividido. Os fragmentos são também os das vidas destas mulheres. Parcelas de vidas tão despojadas e triviais, como... as da vida, em suma. Rosales não mostra as personagens a enamorar-se, a casar-se, a encontrar-se, a fugir de polícias e a perseguir ladrões, a heroicizar-se (porque é que não existe esta palavra?), a confrontar-se com acontecimentos extravagantes e notáveis, como acontece nos filmes (quer dizer, aqui são vítimas de atentados mas até isso se vai tornando uma banalidade). As mulheres deste filme vão no autocarro, tomam refeições e põem a mesa, passam a ferro, andam pela casa, têm conversas sobre pecúlios familiares, consolam o bebé, vão trabalhar, decidem se vão ou não jantar fora, bebem uma água na esplanada... Tudo monotonamente vulgar, trivialmente banal... Vida que é feita de pequenos nadas, de pequenos fragmentos, que uma vez juntos, vá lá, pode ser que...

Recentemente também Tracey Fragments, de Bruce McDonald, recorreu a esta já muito abandonada técnica do ecrã fragmentado, mais associada ao suporte televisivo. Os pontos em comum destes dois filmes ficam-se pela frase anterior. Enquanto McDonald, ao estilhaçar o ecrã, jogava com a dinâmica daquela polifonia visual e espasmódica que daí resultava, como janelas que se abrem num computador, ou como a visão poliédrica da mosca, em Solidão, Rosales centra-se, quase obsessivamente, na imobilidade. Tudo é estático, irredutível. A câmara está invariavelmente fixa, não se move um milímetro, quase sempre os planos são frontais, e mesmo quando o ecrã não está dividido, há colunas, árvores, postes, molduras de portas e janelas que cortam a horizontalidade do espaço. Quase sempre também o realizador recorre ao duplo enquadramento, as pessoas aparecem entre os quatro cantos de uma divisão, emoldurados pelos recortes das casas, avistadas através de portas ou de janelas. O espectador torna-se um voyeur muito pouco sensacionalista – limita-se a espreitar retalhos de vidas banais. A personagem torna-se prisioneira, enclausurada dentro do espaço, sequestrada dentro da geometria linear. Até as palavras do genéricos estão quebradas. Há sempre uma linha vertical que separa, uma barreira que divide.

O filme está densamente povoado, as personagens têm família, amigos, irmãs, companheiros que partilham a casa... E no entanto a solidão é densa, pesa, enche os espaços. O que não é necessariamente um paradoxo. As personagens encontram-se umas com as outras, mas cada uma está restrita ao próprio cubículo privativo. Como se fosse uma cela atmosférica que a todos envolve e claustrofobicamente aperta. Até nas conversas a dois, Rosales não os deixa partilhar o plano. É uma solidão acompanhada. Tal como o silêncio enche (não há uma única nota de música em todo o filme), e a vida esvazia. Eles estão circunscritos pelo seu próprio espaço. O realizador continua a filmar o décor desabitado mesmo quando o actor sai de cena (e sai frequentemente). O vácuo ocupa espaço. A ausência ocupa espaço. O silêncio ocupa espaço. A solidão também. Cada homem é uma ilha, cada qual fabrica as suas fronteiras. Vivos, logo cercados por nós próprios.


1 comentário:

Anónimo disse...

Se vive mejor en las provincias que en Madrid de Gallardón